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DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL

QUAIS SÃO E COMO SE APRESENTAM AS DOENÇAS INFLAMATORIAS INTESTINAIS?

Várias doenças que se localizam no canal alimentar, especificamente no intestino e no cólon, apresentam em comum características clínicas, bioquímicas e morfológicas de um processo inflamatório crônico. Podem ter origem em distintas agressões intestinais, sejam de natureza física, química ou biológica. Entretanto, a denominação de doença inflamatória intestinal, na prática, é empregada na identificação de duas entidades, representadas pela doença de Crohn e pela retocolite ulcerativa inespecífica ou idiopática. De evolução crônica e de etiologia indefinidas, cursam com inflamação permanente dos segmentos comprometidos, intercalando episódios de atividade inflamatória, acompanhados de manifestações clínicas de intensidade variável e eventuais complicações, com períodos de remissão, ambos imprevisíveis.

 

- Como justificar um intervalo tão longo para o efetivo diagnóstico das doenças inflamatórias intestinais?

Da parte do médico, nas primeiras manifestações da doença, que podem ser de pequena intensidade e curta duração, quase sempre interpretadas como secundárias a infecções intestinais de origem alimentar, dificilmente lhe ocorre a lembrança de tratar-se de alguma das doenças inflamatórias. A suspeita se efetiva após alguns episódios, que reaparecem em intervalos variados, com características clínicas semelhantes. Muitas vezes, pela pequena repercussão dos surtos de atividade e fases assintomáticas longas, o próprio paciente adota uma atitude de observação, somente procurando o recurso médico quando os sintomas se tornam repetitivos ou não mais controláveis por medidas próprias ou, ainda, se vierem acompanhados de complicações.

 

- As inflamações intestinais podem surgir em qualquer momento da vida?

Ambas as doenças inflamatórias intestinais, retocolite ulcerativa ou Crohn, podem se iniciar em qualquer faixa etária, desde a infância até idades avançadas. Suas primeiras manifestações, no entanto, costumam ocorrer na adolescência ou no adulto jovem, entre os 15 e 35-40 anos de idade. Reconhece-se um segundo pico de incidência após os 55 anos. Essa preferência promove um grande impacto nos jovens, que passam a conviver com uma doença crônica, a qual certamente irá interferir com a qualidade de suas vidas, justamente numa fase de afirmações familiares, sociais e profissionais e de ajustes de sua personalidade. Pressupondo que tenham uma vivência longa, entende-se o que lhes representam os períodos sintomáticos, na maioria das vezes, muito incômodos, de aparecimento e controle imprevisíveis e sob risco de tratamento cirúrgico, eletivo ou de urgência, sem a garantia de cura total. Complementando essa perspectiva, a necessidade de medicação contínua para tentar prevenir novas crises.

 

QUAIS OS FATORES DE RISCO PARA AS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS (DII)?

As DII só ocorrem em indivíduos geneticamente predispostos, como resultado de uma complexa interação entre fatores ambientais, microbianos e seu sistema imunológico intestinal. O intestino delgado, a maior estrutura linfóide do nosso organismo, em razão da riqueza de suas células de defesa, está sempre em alerta contra agentes que diuturnamente entram em contato com sua superfície mucosa. Essa função faz com que, mesmo em condições de normalidade, haja um estado de “inflamação fisiológica”. Para reagir contra qualquer elemento agressor que possa ter ultrapassado essa barreira, procura circunscrevê-lo, através de uma resposta imunoinflamatória, numa tentativa de impedir sua perpetuação e os conseqüentes danos às suas estruturas. Esse mecanismo apresenta-se alterado, tanto na retocolite ulcerativa (RCUI) quanto na doença de Crohn (DC), só se manifestando em indivíduos com características genéticas particulares, diante de estímulo(s) ambiental(is), seja do exterior ou do meio interno ou ambos, que atuariam como gatilho e, possivelmente, como mantenedores da inflamação. A inflamação é mediada por células dos sistemas imunes inato e adaptativo, com a contribuição adicional de células de linhagens não imunológicas, epiteliais, mesenquimais, endoteliais e plaquetas.

 

QUAL O PAPEL DA GENÉTICA NA PREDISPOSIÇÃO DAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS (DII)?

A simples observação da distribuição geográfica das DII, mais prevalente em alguns países, permite fazer para elas uma conotação genética, provavelmente resultante de combinações hereditárias dessas populações, além da semelhança das condições do meio ambiente em que vivem. A primeira suspeita dessa influência partiu do próprio Dr. Crohn, quando, ainda na década de 30, publicou o caso de repetição da inflamação conhecida por seu nome, em um irmão de um doente. Mas só no final dos anos 80 surgiram estudos envolvendo gêmeos portadores de doença inflamatória intestinal, com a finalidade de detectar possíveis concordâncias entre irmãos. Essas taxas se mostraram significativamente elevadas para a DC em gêmeos monozigótios, um pouco menos para heterozigóticos e menores nos casos de RCUI. A partir desses resultados, passou-se a analisar o comportamento familiar dessas doenças e, nos últimos anos, é bastante claro que, aparentados de doentes apresentam maior risco para também desenvolvê-las, particularmente filhos de pais com DII e membros de uma mesma geração, irmãos e primos.

 

QUAIS FATORES AMBIENTAIS SE ASSOCIAM COM AS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS (DII)?

Estudos recentes têm demonstrado a importância da flora bacteriana no desencadeamento e na perpetuação da inflamação nas DII. Tal correlação, na prática, pode ser inferida, não só porque as lesões predominam em áreas de maior exposição bacteriana; íleo distal e cólon, como também pelos bons resultados, em algumas situações, obtidos com a utilização de antimicrobianos. O defeito genético que caracterizaria esses doentes responderia pela perda, em algum momento de suas vidas, da tolerância que existia para sua flora bacteriana normal. Ocorreria um desequilíbrio entre espécies bacterianas protetoras e agressivas, da flora habitual, associado a um decréscimo da função de barreira da mucosa intestinal e um clareamento comprometido. Os microorganismos teriam facilitado seu acesso ao sistema imune da mucosa, que responderia com a inflamação de forma inadequada, graças aos defeitos imunológicos inatos do hospedeiro.

 

QUAIS SÃO AS DIFERENÇAS PRINCIPAIS ENTRE RETOCOLITE ULCERATIVA INESPECÍFICA (RCUI) E DOENÇA DE CROHN (DC)?

A primeira diferença importante é sobre sua distribuição anatômica. A RCUI é uma inflamação exclusiva do cólon, não sendo identificada em nenhuma outra víscera digestiva, exceto, pelo eventual acometimento concomitante do íleo terminal. O envolvimento do reto está presente em praticamente todos os casos. A DC pode comprometer qualquer segmento do canal alimentar, da boca até o ânus, com localização mais freqüente na transição ileocecal.

 

Outra distinção relevante diz respeito às características da inflamação. Na RCUI ela se restringe à mucosa, poupando amuscalaris mucosa, as camadas musculares e a serosa do cólon, a não ser em situações de complicação, que são excepcionais. Já a inflamação da DC tem caráter invasivo, avançando por toda extensão da parede intestinal, extravasando-a inclusive para estruturas da vizinhança, outras vísceras ou as de sustentação visceral.

 

COMO PROCEDER PARA A CONFIRMAÇÃO DAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS PELOS EXAMES COMPLEMENTARES?

A investigação complementar tem por intenção confirmar a hipótese clínica, reconhecendo a doença, sua localização e extensão, a existência de complicações, sugerir a conduta terapêutica e, se possível, predizer sua recorrência.

 

Alterações observadas nos testes sangüíneos podem contribuir para avaliar o comprometimento geral dos doentes e corroborar a presença de atividade inflamatória. Infelizmente nem sempre há uma boa correlação entre os achados laboratoriais e a fase clínica das doenças. Porém, na vigência de sintomas, o hemograma costuma demonstrar uma redução na contagem de glóbulos vermelhos, nas taxas de hemoglobina e medida do hematócrito; o número de leucócitos tende a ser normal ou com valores pouco acima da referência e leucocitose evidente não é incomum pela própria inflamação ou quando da associação com infecções, acompanhada de desvios para células jovens. Plaquetose, uma das marcas da inflamação intestinal, especialmente na DC, entretanto, poderá inexistir, mesmo nos períodos de maior expressão sintomática dessas doenças.

 

TRATAMENTO DA DII

Em inúmeros aspectos há importantes controvérsias quanto ao tratamento das DII. As indicações terapêuticas expostas neste texto são baseadas no Consenso sobre o Tratamento das Doenças Inflamatórias Intestinais, de 2009, elaborado pelo GEDIIB (Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal no Brasil).

 

Os graus de recomendação das condutas são os usados pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA), a saber:

a) Grau A - evidência consistente a partir de trabalhos bem conduzidos, randomizados (aleatórios), controlados, com número adequado de pacientes; b) Grau B - evidência proveniente de pelo menos um trabalho bem elaborado, com ou sem randomização, ou proveniente de meta-análises ;

c) Grau C - evidência baseada na experiência clínica ou em publicações de comitês de “experts”.

 

Os principais fármacos usados no tratamento da DII são aminossalicilatos, corticoides, imunossupressores e a terapia biológica anti-TNF.

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